domingo, 4 de abril de 2010

Nascer de Novo, de Carlos Drummond de Andrade

Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver,
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.
Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à mingua de qualquer razão de vida?
Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
do sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silencio.
A explicação rompe as nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou eu, sou o outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro álguem estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
do gesto alheio aberto em rosa.

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